segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O Punk 90 E A Reinvenção Da Utopia Alternativa





A década de 90 do século XX revelou uma nova safra de bandas e ativistas dentro da musica alternativa, mais especificadamente dentro do hardcore/punk, e estes indivíduos recolocaram nos trilhos da musica underground as letras e a postura de extrema esquerda dos anarquistas e socialistas independentes, um tanto esquecida ou deixada de lado pelos baluartes do movimento que abalou as estruturas do estabilishment cultural do rock nos anos 70, onde a postura ganguista e niilista abarcou boa parte do pensamento e ações dos integrantes de bandas punks, no mundo todo, por assim dizer.
A história catártica do movimento punk é tão rápida quanto um fósforo aceso, mas, também, incendiária onde se encontra gasolina. Sua gênese esta nos subúrbios de Nova Iorque com os Ramones, Lou Reed, Blondie , entre outras bandas que freqüentavam o lendário clube CBGB, e também, as ruas da cidade norte americana. Concotamitetemente, em Londres, uma geração de outsiders, vagabundos de rua, ganguistas, artistas desacreditados iniciariam a mesma revolução musical, mas com uma conotação política radical. Bandas como The Clash e Sex Pistols, cabeças do movimento, cantavam o descontentamento com a realeza britânica e sua política conservadora. Anos mais tarde, na retomada da musica das ruas com o hardcore, no inicio dos anos 80, o punk nova iorquino volta com Agnostic Front e Youth Of Today, bandas com cunho ideológico diferenciado das bandas dos anos 70, por retratarem a realidade das ruas no caso da primeira e o posicionamento straight edge, o movimento que prega uma vida longe das drogas e do álcool, pregando ainda o veganismo radical, no caso da segunda. Inúmeras bandas como Bold, Straight Ahead, Sick Of It All, Warzone, corroborariam da mesma política pessoal. Mas a musica pesada não era mais privilégio dos nova iorquinos nos EUA... na Califórnia, bandas como Dead Kennedys, Circle Jerks, Bad Religion e black flag, juntamente á 7 Seconds, Minor Threat e NOFX, cada qual com sua temática, mais politizada ou mais critica, estas bandas sacudiram o cenário praieiro da costa oeste dos estados unidos. Em Londres, berço do movimento punk, o hardcore ressurgiria ultra politizado, com bandas como GBH, Discharge, Exploited, Extreme Noise Terror , Broken Bones, Varukers, punk de musica rápida, rasteira e de cunho sócio-político extremamente radical.
O mundo nunca mais seria o mesmo... agora, os pólos da musica agressiva não estavam mais nos focos dos EUA ou da Grã Bretanha... Japão, Itália, Espanha, México, argentina, Finlândia, e o Brasil tinham suas bandas e suas gravadoras independentes. Se o punk era sobre a desesperança, a miserabilidade, o desemprego, a falta de perspectivas, não foi a toa que o estilo repercutiu de maneira tão rápida nos país que ainda sofria com a ditadura militar e a repressão, ao passo que os movimentos sociais surgiam reinvidicando liberdades nunca “dadas” ao povo brasileiro. Chico Buarque e Drummond elogiaram a radicalidade do movimento, e Gilberto Gil não deixou por menos, compondo a musica “punk de periferia”. Mas, nos subúrbios de SP e do Grande ABC, como no sul do país, e em minas gerais e no RJ, borbulhavam bandas punks dos mais variados estilos. O punk direto de RDP, inocentes e cólera, o punk suburbano e de tendências proletárias dos garotos podres, o punk intelectual de Renato Russo e seu aborto elétrico, o punk irônico dos replicantes, e por aí vai... seria necessário mais do que este pequeno texto para retratar a quantidade e a qualidade das bandas punks do pais.
Nos anos 90, quando a musica alternativa dava passos gigantescos rumo ao estrelato, com o advento do grunge, bandas como nirvana, Pearl Jam , L7, Alice in Chains, mudhoney, chegavam ao topo das paradas das rádios, algo inimaginável nos anos 80, e ainda mais impressionante nos anos 90. Me lembro quando ouvi o nirvana pela primeira vez, na radio de minha cidade, na casa de um amigo. A minha reação foi de estupefação diante da melodia barulhenta de “smells like teen spirit”, e da voz esganiçada e estoura falantes de Kurt Cobain.
Mas havia uma alternativa ao alternativo... o que estava tocando na rádio era a musica pasteurizada e comercial, que não me agradava. Na época, eu era um moleque de 14 anos, que gostava de skate, política (por incrível que pareça) e de conversas sobre a existência humana. O diferencial eram as bandas do grunge, as quais sou eternamente agradecido por me mostrarem o outro lado da musica, e que representavam o rock primal e primitivo, de letras acidas e som ensurdecedor, o supra-sumo do era feito nas garagens da terra de tio Sam.
A alternativa ao alternativo era a cena punk hardcore que estava se refermentando nas mais variadas regiões do pais, e se me permitem ser exagerado, do mundo também. Na verdade, o punk hardcore nunca sumiu de cena, sempre esteve presente nos nichos undergrounds, mas havia algo sendo cunhado a ferro e fogo no inicio dos anos 90, que tornaria peculiar a década. Centenas de fanzines, revistinhas de xerox feitas por fãs de bandas ou por pessoas interessadas na cultura underground, pipocavam a cada momento em todos os lugares... extremamente populares nos anos 90, os fanzines eram baratos,custavam bem menos que R$1,00 e circulavam de mão em mão, divulgavam bandas independentes e também textos anarquistas, bem como de protesto social... foi a ferramenta perfeita para a divulgação das ideias do meio alternativo. Agora, o punk não estava restrito ao punk em sí, e no Brasil variações do movimento surgiam cm intensidade máxima. Straight edges, os vegetarianos radicais que não fumavam ou bebiam, formando suas bandas como No Violence, Leucopenia, Newspeak, Personal Choice... cada qual em seu estilo de hardcore, cada qual lançando suas demo tapes(fitas cassete em que gravavam ensaios ou shows ao vivo e eram comercializadas pelas bandas por correio, bons tempos em que esperar por quinze dias por um pacotinho especial era comum e extraordinário, ao mesmo tempo.), bem como cd´s e compactos. Anarco-punks, ultrapolitizados, que faziam suas manifestações nas ruas em panfletagens sobre questões políticas e sobre o anarquismo, participando de festivais aos quais as próprias bandas organizavam os mesmos, as quais eram Execradores, Lixo Urbano, Militofobia, Atack Epiletiko, entre muitas outras, além do lançamento de um disco histórico, cenas anarcopunks, fundamental para a insurgência do movimento. Iniciando também na sua ideologia esquerdista, estavam os SHARPS, ou skinheads against racism prejudice, na tradução, skinheads contra o racismo, facção socialista de jovens que aderiram ao movimento operário.
O hardcore nos anos 90 colocou em pauta o posicionamento pessoal de indivíduos que, por razões distintas, acreditavam que um movimento dentro da musica alternativa poderia ser um contraponto ao sistema capitalista, mesmo que fosse uma posição apenas cultural ou artistica. Além de que o hardcore é um estilo pluralista, pois abarca os mais variados sub-estilos da musica, dentro de seu proprio genero. O que moveu integrantes de bandas, ativistas das mais variadas matizes sejam straight edges, anarcopunks, skatistas, sharps, fanzineiros, organizadores de shows alternativos, ou apenas, e não menos importantes, fãs da musica pesada e agressiva do hardcore, foi a utopia de uma geração que ainda acreditava no poder revolucionário da musica. Por mais ingênuo que possa parecer, era o contexto vivido por estas pessoas, dentro de uma cena musical em que a realidade das ruas e da vida cotidiana é cantada em coro por seus bravos bandleaders. Fazer parte da cena hardcore me colocou em um lugar no mundo quando eu não tinha um lugar. Era minha utopia diária, minha crença no anarquismo, meu mantra espiritual e minha fúria de viver. Era um sentido quando não havia sentido. Era o reflexo de um jovem que estava se preparando para a maior batalha de sua vida:sua afirmação enquanto homem e indivíduo no mundo. Há muito medo e muita angustia nesta passagem. Mas muita ternura e muita beleza também.

Um comentário:

Tanísia Célia Messias Reis disse...

Vitor, meu amor, não entendo de Hardcore, mas sei o quanto a música faz parte de quem você é na vida, uma pessoa incrivel por quem me apaixonei. Te admiro e te amo!
Parabens pelo blog!
E parafraseando o V:
Não pode haver revolução sem música!
Tanisia